Ricardo Damião mostra seu acervo pessoal de antiguidades
Quando entrei na Cantina do Velhinho, nome do lugar onde a família Damião guarda a sua história, me deparei com o desafio enorme: como contar tanta história em apenas poucas horas de uma entrevista? Sua paixão por antiguidades é tão grande que seu Ricardo Ferreira Damião coleciona mais de mil peças, todas catalogadas. Fixei meus olhos para tudo que havia ali e uma emoção tomou conta de mim. Saudades da casa da minha avó, da sua televisão antiga, sua máquina de costura, seu baú… quanta saudade!
Sim, é um antiquário pessoal. Mas, o que chamou a atenção é que naquele espaço, dividido entre cinco salas está a história de seus ancestrais, uma história imorredoura na alma de quem visita aquele lugar, no mínimo umas três vezes ao dia. Seu Ricardo revela: “aqui é um lugar espiritual, pois aqui está preservada a história das nossas famílias, do passado e que traz mensagens para o presente. As pessoas vão, alguns objetos ficam para perpetuar nossas histórias, que se entrelaçam pela junção das famílias, é a vida carregada de emoção”. Seu Ricardo é o guardião daquelas relíquias, um mestre que conhece o valor de cada peça e sabe como ninguém cuidar desse patrimônio cultural, zelando pelos objetos, preservando-os, todos bem distribuídos e em perfeito estado.
Mas, não são somente as peças que chamam a atenção em seu museu, é também o seu amor pelas fotografias, estas que decoram todas as paredes do seu cantinho especial. Fotos antigas de família: dos avós, dos pais, dos filhos e dos netos, tanto da família Damião como da Machado, de sua esposa Vanda Machado Damião. Bem merecida sua citação nesta matéria, porque parte de acervo também é herança da família dela, cujo pai era oficial da marinha. Suas medalhas, comendas, distintivos, documentos e insígnias ainda estão lá, em lugar de destaque, com o orgulho de manter viva sua memória, mostrando os seus afazeres, enquanto neste mundo vivia.
Voltando à fotografia, lembrei de uma citação do Livro Fotografia e História, onde Kossoy diz exatamente o que elas representam, e é desta forma que me recordei ao ver tantas fotos penduradas, do passado, do presente, porque o presente está bem enaltecido nas fotos dos filhos e dos netos, em todas as épocas de suas vidas, misturadas às de seus entes queridos, cujas imagens compõem a história como uma teia que vai se moldando. Kossoy diz que: “os caminhos percorridos pela fotografia, as vicissitudes porque passou, as mãos que a dedicaram, os olhos que a viram, as emoções que despertou, os porta-retratos que a emolduraram, os álbuns que a guardaram, os porões e sótãos que a enterraram, as mãos que a salvaram. Neste caso, seu conteúdo se manteve, nele o tempo parou. As expressões ainda são as mesmas. Apenas o artefato, no seu todo, envelheceu”.
Dizem que a pessoa nasce com essa essência, a de gostar de coisas antigas, a de querer manter vivas na lembrança coisas do passado, evidenciando através de fotos e objetos. Ricardo confirma isso, porque desde jovem já guardava peças e diz que esse gosto nasceu com ele. No seu museu particular tem uma sala somente para ferramentas antigas, lá têm serrotes, plaina, sepilhos, formão, furadeiras, torrador de café, moedor, lixas, enfim, é uma oficina completa à moda antiga. Destaque para um tear antigo, de 1843, onde se fabricava fios de lã de ovelha.
”Comecei bem jovem a guardar peças que eram da família. O acervo tem peças da minha família e da Vanda, minha esposa. Depois, com o tempo, fui comprando algumas em antiquários e muitas foram presentes que amigos meus deram. Tudo aqui tem um valor incalculável, ou melhor, nem tem valor, é mais sentimento. Mas, o que realmente eu mais gosto são aquelas coisas ali”, revela Ricardo.
Dei alguns passos e observei, em uma cristaleira antiga, diversos pares de sapatinhos de crianças, com nomes.
“São os sapatinhos dos meus filhos e dos meus netos. Essas são as peças que eu mais aprecio neste lugar”, afirma.
Ricardo tem em seu acervo: gramofones, máquinas de costuras antigas, algumas vindas da Alemanha, máquinas fotográficas de marcas conceituadas como a Pentax, bules de prata, castiçais, taças de cristal, espadas, adagas, móveis em demolição, cristaleiras, telefones antiquíssimos, sem contar no relógio cuco, bem disposto acima da nossa mesa de chá. Uma boa conversa ao som de diversas badaladas de relógios para marcar o Chá da Tarde em sua casa, jamais esquecerei, não só a boa conversa, mas das coisas lindas que meus olhos viram, naquele lugar, tão pertinho da gente, aqui em Medianeira.
Voltando às peças antigas: chapeleira, máquina registradora, lampião, cadeira de balanço de família, mesas, livros, muitos livros…enfim não tem como elencar as mil peças. As fotos da nossa galeria comprovam a quantidade de relíquias que ali moram, de um homem que fez questão de dar como herança, o investimento na educação de todos os seus filhos.
“Nunca durmo sem antes ter lido alguma coisa, gosto muito de ler. Inclusive, esse livro: o Serões do Tio Silas, que você tem nas mãos, era usado na educação dos filhos antigamente. As famílias tinham esses livros e utilizavam para formar pessoas de bem na sociedade. Eu me orgulho em dizer que a educação é a maior herança que posso deixar”, conta.
Serventuário de justiça, do Cartório da Vara Cível de Medianeira, seu Ricardo, além de ser apaixonado pelo trabalho, família e pelas peças antigas, revelou ter uma outra paixão: os vinhos. Membro de uma confraria de vinhos de Cascavel, viajou diversos estados e países com seus amigos ‘confrades’, assim chamados, por apreciar tal paixão. ” Guardo vinhos antigos e inclusive o primeiro vinho que eu fabriquei. Meus vinhos levam no rótulo a imagem do meu pai, em sua bodas de ouro, com uma taça de vinho na mão”, descreve.
Sua paixão pelo vinho é tamanha que possui uma pequena fábrica para uso pessoal, não vende, presenteia os amigos. Entramos em sua adega, toda climatizada, e lá conhecemos vinhos de vários países, vinhos finíssimos, especiais. Alguns guardados esperando o momento certo para abri-los. Tivemos uma pequena aula sobre o que o vinho representa e como deve ser apreciado. Não tomamos vinho, deixamos para uma próxima visita, porque antes de tomar nosso chá, nos curvamos ao cheiro doce de frutas e mel, na degustação de suas cachaças artesanais. Uma delícia! Realmente a Cantina do Velhinho é um lugar para retornar, porque o anfitrião envolve suas visitas em um outro tempo, parece que estávamos vivendo em uma outra época.
Ivanir Gebert
Fotos: Sander de Paula