Fomos até a casa do Mímico Everton para falar do seu livro
Tive a oportunidade de conhecer a casa do mímico Everton Ferre assim que conheci o seu trabalho, para uma entrevista. Já tem algum tempo. Mas, esse momento é mais que especial, pois o retorno, além de falar sobre o seu livro, inaugura uma série de entrevistas que iremos fazer no Chá da Tarde.
Lá estavam Everton e sua esposa Rosane nos esperando com pão de queijo. O Chá e as Xícaras levei, pois é meu compromisso em cada entrevista. O lugar… ah, o lugar é sensacional! Uma casa praticamente sem paredes, decorada com peças antigas, parece até um antiquário. Relíquias de família. Algumas peças têm mais de 50 anos. Móveis em madeira bem antigos, alguns feitos pelo próprio mímico que, além da mímica, também tem talento para ser artesão. Detalhe para o seu cantinho de trabalho e estudos, local onde passou dois anos escrevendo a sua história. Tem uma pequena biblioteca, suficiente para guardar boas obras, de grandes autores. Um mímico não poderia deixar de ter em sua coleção de livros, a obra de Chaplin.
Muito verde, flores, orquídeas, três marias e também algumas esculturas de peças em ferro, que do lixo virou obra de arte para enfeitar o jardim. Mesa posta, poltronas de pneus para abraçar as costas e vamos à entrevista.
Quem é Everton Ferre? Pois é! Eu mesma disse: estou diante do único mímico do país com companhia itinerante, inclusive do mundo, que completa 30 anos de carreira e está lançando um livro. É um grande privilégio entrevistá-lo, grande amigo e pessoa da qual tenho profunda admiração. Primeiro pela arte, segundo pela arte novamente, mas a arte de ser sincero, honesto, transparente com seus ideais e princípios. Humilde. Quando questionei sobre a rua e o palco, ele prontamente respondeu: “A rua. Nela sou totalmente livre, não fico amarrado. Na rua as pessoas assistem meu trabalho sem precisar de recursos financeiros. Eu passo o chapéu e as pessoas também são livres para contribuir com o show. Amo a rua, porque eu levo o teatro pra rua. Isso é mágico”. Para quem lotou por diversas vezes o teatro Guaíra, em Curitiba, viajou diversos países, inclusive todos da América Latina, não tem como preferência os holofotes e os aplausos dos grandes teatros. Tem a rua como escolha e referência.
Começo
Filho de pais separados, Everton morou com a avó até os seis anos de idade. Cresceu em Curitiba, e depois foi para São Paulo conhecer o pai. Na maior cidade da América Latina foi crescendo e se virando para sobreviver. Entregava marmitas dentro do aeroporto de Congonhas, cuidava de carros, fazia pequenos trabalhos que lhe rendiam o dinheiro para a comida. Aos 12 anos, foi adotado por um tio que mora em Missal.
Everton poderia ter seguido outra carreira, pois passou em dois concursos. Começou a trabalhar no Banestado, em Cascavel, mas, ainda não era isso que o deixaria feliz. Louco! Assim que a maioria dos amigos o chamavam, quando disse que iria largar tudo, estabilidade e um bom salário. Vou vender livros, disse. Vendeu muitos livros e viajou muito. Aos 23 anos, chegou a Florianópolis para cursar odontologia, mas desistiu. Queria ser artista. Foi chamado de louco novamente. Imagina largar tudo e ser mímico. Ninguém acreditava, achavam que ele andava “surtando”. Hoje, está aqui para contar tudo isso. Não é que o “louco” sobreviveu e até escreveu um livro: Mímico Everton – 30 anos de mímica no Brasil . Para tornar realidade seu sonho, o de ser um artista, Everton foi ao Peru estudar mímica com Jorge Acuña Rázuri, cuja arte repassada é o domínio do corpo, destreza, força, equilíbrio, foco de objeto, roteiro, dramaturgia e história do teatro.
Lembranças – histórias
Everton guarda em diversas caixas um acervo imenso de publicações do seu trabalho, material este que o ajudou na elaboração do livro. Muitas histórias contam aquelas páginas amareladas, algumas com 30 anos, ali, perfeitas, contando a sua trajetória. Segredos, muitos. Alguns inclusive bem polêmicos, como uma matéria veiculada em um jornal que derrubou o secretário de cultura da cidade, que o havia proibido de se apresentar na rua. Resultado? A sociedade se impôs contra o secretário que, de tanta pressão, foi demitido. Everton ilustra páginas inteiras de jornais, dos mais renomados veículos de comunicação do Brasil e de diversos países por onde passou.
Guarda agradecimentos, cartas de crianças, desenhos, ofícios, reportagens, fotografias, convites, divulgação de peças de teatro… É tanta informação que se fosse elencar tudo o que ele guarda nessas caixas, estragaríamos a expectativa de ler no próximo livro, quem sabe, alguns segredos ali bem guardados. Interrompe o artista: ” próximo livro? Quem sabe, deixa eu ver o resultado deste” aponta entre risos. “O segundo poderia ser bem mais polêmico”, reitera. Entre tanta memória preservada, Everton mostrou alguns cheques que guardou, de pessoas que viram seu show na rua e deixaram em seu chapéu, mas ele nunca compensou os valores.
“A vida do artista às vezes não é fácil, escassez de dinheiro, mas mesmo assim, quis guardar esses cheques, que inclusive já procurei algumas dessas pessoas, porque isso é parte da minha história, é bem legal ver esses cheques, do tempo do cruzado ainda”, revela.
Everton vai finalizando a conversa, dizendo que sua arte precisa permanecer viva, por isso está ensinando alguns jovens. Uma arte que está emoldurada na pessoa e na alma do artista, que o faz se preocupar em repassar seu conhecimento. Uma arte onde o silêncio diz tudo, um silêncio que vale por mil palavras. É a arte de dizer tudo sem palavras, de contar alegrias, de ensinar coisas boas, de falar de acontecimentos do cotidiano, de chamar atenção para os problemas. E, assim, o artista, o mímico Everton, vai terminando a entrevista mostrando a capa do seu primeiro livro, cuja foto foi tirada pelo fotógrafo Daio Hofmann, em um evento da Aliança Francesa no Brasil. Entre os grandes nomes do meio artístico, na lista de apresentações, cujo papel, bem velho, meio rasgado, página amarelada pelo tempo, ainda bem legível, como convidado a representar nosso país, na lista está lá registrado: Mímico Everton Ferre.
Posso concluir que é um orgulho para nós, medianeirenses.
E, até o próximo Chá da Tarde.
Da Redação: Ivanir Gebert
Fotos: Sander de Paula