História de vida: o ofício de quem vende picolés há 12 anos
‘Olha o picoleeéée”. Nos tempos felizes da minha infância era tão comum ver um carrinho passando na minha rua, onde o picolezeiro cantando anunciava a presença do produto. Fazia alegria da criançada, que corria para dentro de casa pedir aos pais que comprassem. Bons tempos, onde: picolé, brincar na rua e criança combinavam tão bem. Saudosismo à parte, mas hoje, encontrar alguém que trabalha nesta atividade ainda, chama a atenção.
Em uma época em que é fácil comprar sorvetes saborosos que ficam à disposição em qualquer estabelecimento, dona Maria Gorete Freitas, 58 anos, ainda vende picolés na rua. Suas pernas mal conseguem acompanhar o ritmo. Suas pernas são cheias de varizes e ela ainda tem uma doença chamada esporão do calcâneo (crescimento anormal de uma parte do osso do calcanhar) e, mesmo assim, ela luta para ganhar seu dinheiro e ajudar nas despesas da casa.
Casada com Gebrair Guedes, 65 anos, que também era vendedor de picolés, mas por motivo de doença teve que largar o ofício por causa de uma infecção pulmonar. Mãe de três filhos, têm cinco netos e um bisneto. Está casada há 34 anos. Veio de Porto Alegre-RS ainda muito jovem. Seu pai morreu quando ela tinha apenas 11 anos. Trabalhou na roça e foi também doméstica. Há 12 anos vende picolés. Quando perguntei porque não continuou exercendo os serviços de doméstica ela disse que quando a idade foi chegando já não conseguia mais emprego e quando percebeu já estava vendendo picolés e então continuou. Ela comprou o carrinho de picolé e quando sai às ruas para vender, adquiri em uma sorveteria do bairro os picolés de fruta, leite e sorvete e os revende. A maioria custa R$ 1. Segundo ela, em dias quentes consegue com muito esforço vender R$ 30 a R$ 40 reais. Se ela ganha 40 centavos de lucro por picolé vendido a R$ 1, ela tem que vender 100 picolés no dia. Precisa caminhar muito.
Recentemente dona Maria teve grandes perdas na vida. Primeiro, a mãe, que para ela foi a desestruturação de completamente tudo, pois tinha na mãe a conselheira e o porto seguro. Depois o irmão que ela cuidou até a morte, sofreu anos com câncer.
“Olha têm dias que minhas forças se esgotam. Mas é preciso ter fé. Vou à Igreja toda semana para me fortalecer. Se não fosse a fé, acho que de tanto sofrer teria perdido a cabeça”, desabafou.
Além da venda dos picolés, ela recebe um benefício do CRAS – Centro de Referência da Assistência Social. Ela Recebe uma cesta básica mensal e R$ 155,00 mensal do Programa Bolsa Família e mais R$ 20,00 do Programa Família Paranaense. Segundo o CRAS de Medianeira, ela participa dos cursos e palestras oferecidos pelos programas.
“Eu vou comprando uma coisinha ou outra no mercado, o que falta. Rancho, isso não sei mais o que é. Pego o que preciso no dia-a-dia para sobreviver. Sou grata pela ajuda mensal que recebo senão não sei o que seria da gente”, conta.
“Gostaria muito de ter saúde, de ter um tratamento para a doença do meu marido, de cuidar da doença do meu pé. Mas ao mesmo tempo eu me pergunto, se faço uma cirurgia, como vou viver? Pagar minhas contas?”, desabafou. E, neste momento, você percebe que ela mesmo sentindo dores prefere andar empurrando um carrinho em busca da sobrevivência. Triste, quando as escolhas são feitas com tanto sacrifico e dor.
E, no inverno? Como será que ela vive? Dona Maria contou que pega frutas na feira, pães e doces para vender, buscando alternativas para angariar recursos e manter as coisas na casa funcionando, como luz, água, gás e comida.
Seu sorriso, meio envergonhado pela falta de dentes na boca, nos revelou uma humildade e um questionamento de que existem pessoas que lutam todos os dias ao nosso lado, na rua e nós nem percebemos às vezes, por comida, a mais básica possível, sem luxo, sem regalias. “Enquanto eu puder vou tocando em frente, pois não tem outro jeito, não irei me aposentar. Meu esposo está na luta buscando a aposentaria. Espero que ele consiga”, revelou.
Dona Maria Gorete nos recebeu em sua casa, no bairro Itaipu. Casa pequena, que era da mãe. Os irmãos deixaram ela morar na casa porque a única casinha que tinha de madeira pegou fogo. A casa muito simples, precisando de algumas melhorias, pois o forro tá caindo. Mas, o que chamou nossa atenção foi as plantas na entrada da casa que deixavam o ambiente mais bonito. Tinha um ‘ar’ de casa feliz. Cuidados com a limpeza, pois tudo estava arrumado e limpo. Ela não estava neste dia e fomos recebidos pelo seu esposo. Provavelmente ela estava pelas ruas, silenciosa com seus pensamentos na luta diária, e em busca de despertar o desejo dos adultos e principalmente das crianças. ‘Olha o picolééé’.
Quem quiser conhecer a Dona Maria Gorete e tiver interesse em ajuda-la pode entrar em contato com a redação do Portal Medianeira pelo fone: 3264-6107. Estaremos direcionando alimentos, roupas, etc. Também fornecemos o endereço para a pessoa ir pessoalmente fazer a entrega.