Roberto Fernandes fala sobre o Caminho de Santiago de Compostela
Lendo pela segunda vez o Livro Confissões de Um Peregrino, recordei que já tem 13 anos quando Roberto Fernandes se despediu no aeroporto, rumo à Espanha, para a realização de um dos projetos de maior significação pessoal. Levei algumas noites, lendo pausadamente cada capítulo, pois sua narrativa enriquecedora em detalhes nos faz percorrer o caminho junto com o próprio escritor. Em momentos fiquei extasiada com tamanhas revelações. Afinal, que respostas busca um homem ao fazer 800 quilômetros a pé e ainda por duas vezes? O que tem esse caminho que todos que o percorrem transformam a sua alma?
Na resposta do peregrino…[Ri e chorei incontáveis revelações, reaprendi a tolerância, o desafio ao medo, o amor, a fé e a coragem. A grande viagem desnudou um homem ainda envolto em mistérios, mas foi-me também generosa ao dar-me a percepção de que os olhos da minha”alma já não se faziam tão turvos como outrora o foram].
O Caminho de Santiago de Compostela é hoje um dos pontos de partida de pessoas do mundo inteiro, que se aventuram a andar por vales, montanhas, vilarejos, fazendo um percurso espiritual, em busca de respostas para acalentar as dores da alma. Afinal, quem nunca se perguntou qual o real motivo de nossa existência neste mundo? O que fazemos? Que legado deixaremos? Por que esse caminho? Naquelas terras, após a crucificação de Cristo, o apóstolo Tiago passou diversos anos pregando o evangelho. Despertou a ira de sacerdotes e reis e foi decapitado. Após luzes intensas que iluminavam as cercanias do Monte Libradón, o Bispo da Galiza manda investigar, eis que descobrem o sepulcro do apóstolo Tiago, revelando ao mundo um longo mistério. A partir de então nasce Santiago de Compostela e passa a ser rota mística da fé.
Foram 30 dias de caminhada, de questionamentos, de novos amigos, de solidão. Sim, solidão esta que Roberto relata tomar conta da maioria dos peregrinos.
“Algumas vezes estávamos sozinhos, era natural o afastamento, até porque o peregrino gosta de ficar só. Outras, o encontro com mais pessoas em determinados pontos do caminho, algumas conversas. Hora estávamos em um grupo e nenhuma palavra sequer, todos envoltos de sua inquietude, em seu silêncio pessoal”, conta Roberto.
O sonho de escrever um livro não foi definido junto com o de fazer o percurso. Roberto anotava em uma caderneta seus sentimentos diários, momentos felizes, dias difíceis, caminhada exaustiva, lugares deslumbrantes, vilarejos ao pé das montanhas, encontro com amigos, em especial de seu amigo de percurso, o medianeirense Ivaldir Frandoloso, conhecido como Guacho, que também o acompanhou ao repetir a façanha pela segunda vez. Essa caderneta, companheira de longos dias, registrou nela o que seria necessário para fazer uma linda obra literária, não deixando de ser, claro, um livro reportagem. Roberto Fernandes, administrador de empresas, durante 30 anos dedicou-se à rotina bancária, apaixonado por culinária, formado em Letras, encantado pela família, deixando diversas vezes muito claro que suas respostas estavam na família, expressando saudades, dedicando a eles, a razão do caminho. A eles dedicou o seu esforço em andar tantos dias, muitas vezes envolto em completa solidão, da qual rompeu o próprio limite ao percorrer essa rota medieval, por meio de muitas subidas íngremes, da qual exigia grande esforço.
De dia Roberto e demais peregrinos faziam o trajeto, indo de cidades a vilarejos e vice-versa. À noite hospedavam-se em albergues. Noites e noites em que o escritor trocava experiências com outras pessoas, dormia, algumas mal dormia por causa da dor que sentia no corpo, outras era a ansiedade e os acontecimentos da jornada, como os pés feridos, que aos poucos ia recebendo carinho especial com bandagens. “Eles cumpririam a nobre missão de me conduzir até às escadarias da Igreja de Santiago de Compostela”, relata na obra, o escritor. Neste momento, deparei a pensar na imagem que sempre me vem à cabeça, geralmente os peregrinos usam cajado. Eis que Roberto, na quinta etapa do percurso passa a ter a companhia do nobre companheiro para amenizar as dificuldades.
Antes do almoço, perguntei a Roberto como foi ficar longe da família todo esse tempo e ainda mais passando por uma prova espiritual, de cansaço, de descobrimentos e, claro, de novas revelações. Até brinquei com a filha dele, Marion, que segundo ela quando o pai volta do caminho, fica “bonzinho” durante uns sessenta dias. [risos]. Quem conhece Roberto sabe bem que ele dedica boa parte do seu tempo para a família. Casado com Lucy Andreolla, pai de Conrado e Marion, a quem dedica o livro como a razão do caminho.
Em uma noite, ao me deitar, peguei o livro para continuar meu propósito de lê-lo novamente antes de escrever a matéria. Na verdade essa obra é uma daquelas que devemos ter na cabeceira da cama, porque ela também faz o leitor questionar sua própria vida enquanto vai virando suas páginas e vivendo cada acontecimento. Dois deles me prenderam por um tempo mais.
“Instantes haviam transcorrido e novamente a solidão a me fazer companhia. Uma carga de emoção invadiu a minha alma. Após vinte anos de casamento compartilhando lado a lado, muito mais alegrias do que tristezas, completava eu nesse dia o vigésimo primeiro, sem nenhuma comemoração. Ainda, assim, inexplicavelmente, sentia-me em estado de graça. Constatava que a distância que nos separava era apenas física”, enaltece o trecho da obra.
Quanto aos filhos, Roberto se emociona em uma parte do livro ao encontrar um bilhete do filho Conrado: “Pai você é a melhor coisa que existiu pra mim. Te amo”. Pontapé para uma avalanche de sentimentos e culpas, normal de todos os pais. “Fizera tão pouco pelos meus filhos e ainda assim eles me eram tão generosos. Agradeci a Deus pelo privilégio de ter pessoas tão especiais, pedras preciosas, tesouros da minha alma”.
Fiquei por momentos a recordar essas passagens. Às vezes é necessário pensar no tempo que dedicamos às pessoas que nos são próximas, como reunir filhos e amigos para comemorar a vida, degustando uma boa comida. Isso mesmo! Todos envoltos de uma mesa saboreando o tempero bom da vida. E, por falar em tempero, ah! Senti neste instante o cheiro do risoto preparado por Roberto no dia da entrevista. Conhecido pelos pratos magníficos que prepara, Roberto pegou gosto pela arte culinária desde cedo, antes mesmo de casar já cozinhava na república, onde morava. “Sempre gostei de estar cercado por amigos e a comida tem essa magia, ela aproxima, é uma arte e uma forma de expressão”, relata. Em uma cozinha toda de vidro no meio do jardim, Roberto prepara seus pratos e também dá seu curso de culinária, mais um motivo para estar perto de bons amigos. “Olha, a próxima casa que irei fazer, os quartos podem ser bem menores, o resto poderia ser tudo cozinha”, fala sorrindo, deixando claro que sua paixão é também estar preparando novos sabores e aguçando seus convidados com aromas deliciosos. Enfim, fui aprender a fazer o risoto de Funghi. E, olha que aprendi passo a passo. Me senti naquele cenário de vidro cheio de plantas da Ana Maria Braga. Brincadeiras à parte, mas a dica repassada de como se prepara um bom risoto, cremoso e cheio de sabor, não esquecerei.
Cozinhar no Caminho de Santiago de Compostela? Roberto conta que na primeira vez muito pouco cozinhou. Já quando realizou o percurso pela segunda vez, 10 anos depois da primeira viagem, a rotina mudou um pouco. “Preparei diversos pratos espanhóis, a viagem agora tinha outro sabor, já não estava tão apreensivo como da primeira vez, e, portanto, enriquecemos nossos encontros com um pouco de sabor, degustando boa comida”, descreve Roberto.
Haverá uma terceira viagem? “Sim, espero fazê-la ano que vem. Quem sabe levo meu filho Conrado. Muitas pessoas da família resolvem fazer o percurso juntos”, revela. Acrescentei em tom de brincadeira que aí sim a dupla seria perfeita: pai escritor e filho fotógrafo. Mas, embora você faça o caminho diversas vezes, o que eu aprendi é que ele lapida as pessoas, liberta-nos das amarras que nos prendem, como as passagens e memórias adquiridas ao longo da vida. Embora você faça mil vezes essa viagem, o Caminho de Santiago de Compostela sempre será um mistério. É isso que faz dele uma rota espiritual, onde todos nós deveríamos um dia percorrer.
Em 2000 Roberto fez a primeira viagem e, em 2002 lançou o Livro Confissões de Um Peregrino, com direito à noite de autógrafos.
Em 2010 retornou para a Espanha e pela segunda vez percorreu 800 quilômetros a pé. Lançou um Blog, onde as pessoas acompanhavam diariamente suas postagens e junto com o amigo Aldo Sergel produziu um DVD com imagens do caminho e da cerimônia de chegada, na Catedral de Santiago de Compostela.
Acompanhe os relatos no Blog – http://roberto2010santiago.blogspot.com.br
Da Redação: Ivanir Gebert
Fotos: Sander de Paula